Ministros vão decidir sobre idade idade mínima, cálculo da aposentadoria e contribuição. Seis anos após as mudanças, julgamento a ser pautado preocupa especialistas, que falam em necessidade de nova reforma (Por Cristiane Gercina)A reforma da Previdência de 2019 poderá ser alterada por decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que irão impactar as novas regras de aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e de servidores, além das contas públicas.
Publicada em 13 de novembro de 2019, a emenda constitucional 103 instituiu idade mínima na aposentadoria, mudou o cálculo do benefício e da média salarial, alterou alíquotas de contribuição e criou regras de transição para quem já estava no mercado de trabalho.
A corte analisa de forma conjunta 13 ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) contestando as mudanças e mais outras ações separadas sobre o tema.
O ministro relator, Luís Roberto Barroso, ex-presidente do Supremo, votou a favor da reforma. O ministro Edson Fachin, atual presidente, divergiu. O julgamento foi paralisado após pedido do ministro Gilmar Mendes e aguarda ser pautado. A análise dos dois processos, no entanto, está marcada para 3 de dezembro.
Dentre os principais pontos em discussão estão os que tratam da contribuição dos servidores públicos ativos e inativos; da idade mínima na aposentadoria das mulheres servidoras, limitação da aposentadoria especial, proibição da conversão de tempo especial em comum, cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente e do tempo mínimo de contribuição para funcionárias públicas.
Há maioria de votos para derrubar dois temas: alíquota de contribuição de servidores e tempo mínimo de contribuição das mulheres no serviço público. Hoje, seguradas do INSS precisam de 15 anos de pagamentos para pedir o benefício. No serviço público, a exigência é de 20 anos para mulheres. O STF entende que o tempo mínimo deve ser igual.
No caso da contribuição de servidores, a reforma autorizou que entes públicos cobrem contribuições de aposentados e pensionistas que ganham acima do salário mínimo e criou alíquotas maiores de desconto para altos salários.
Leonardo Rolim, consultor da Câmara dos Deputados na área de Previdência, afirma que a cobrança de contribuição sobre benefícios de segurados já aposentados, inclusive para quem ganha entre o salário mínimo e o teto da Previdência, é fundamental para reduzir o déficit financeiro e atuarial da Previdência.
Segundo ele, caso essa contribuição seja derrubada, haverá forte impacto fiscal sobre estados e municípios. Um dos exemplos é São Paulo, que perderia cerca de R$ 1 bilhão em arrecadação por ano.
Estudo feito por Rolim aponta que, até o final de 2024, 755 municípios realizaram suas reformas previdenciárias, endurecendo as regras e, mesmo assim, o déficit atuarial total dos RPPSs (Regimes Próprios de Previdência Social) dos municípios está em R$ 1,1 trilhão.
"Se o STF mantiver essa tendência de revogar diversos itens da emenda constitucional 103, irá ampliar substancialmente esse déficit", diz.
Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social) e pesquisador da Fipe, afirma que a derrubada do artigo que trata sobre a contribuição de servidores será uma "hecatombe fiscal", já que, com a decisão, os governos poderiam ter de devolver os valores já cobrados.
Tafner criticou o que vê como uma tentativa do STF de "fazer política pública" sem respaldo legislativo.
Duas ações estão na pauta do SupremoHá ainda duas ações que podem ser julgadas em 3 de dezembro, conforme a pauta do STF. A primeira delas está sob tema 1.300 e diz respeito ao cálculo das aposentadoria por invalidez, fixado em 60% da média salarial do segurado mais 2% a cada ano extra de contribuição. O que for decidido neste caso valerá para todos os processos do tipo no país.
A outra trata sobre a idade mínima na aposentadoria especial e a proibição de converter tempo especial em comum, o que garante bônus na hora de pedir o benefício.
Cálculo da aposentadoria por invalidezO advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin, afirma que a reforma trouxe distorções nas regras de cálculo da aposentadoria por invalidez e, por isso, defende a mudança. O problema, segundo ele, é que o cidadão que se aposenta por incapacidade permanente recebe valor menor do que o que fica afastado de forma temporária, ganhando o auxílio-doença.
Badari exemplificou a desigualdade: um segurado que sofre um acidente e fica incapacitado pode receber 91% do benefício, enquanto outro, em estado terminal de câncer, tem direito a apenas 60%. "O benefício da doença grave é 31% menor do que o da doença temporária. Isso fere a isonomia e o princípio de proteção social", diz
Aposentadoria especialAdriane Bramante, conselheira do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) e da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), afirma que o julgamento da ação que trata sobre a aposentadoria especial é aguardado com expectativa pelos segurados do INSS, porque as novas regras prejudicaram quem trabalha em ambiente insalubre.
A reforma estabeleceu idade mínima na aposentadoria especial de 55, 58 e 60 anos, conforme o nível de exposição da atividade, e proibiu a conversão de tempo especial em comum. "Se o segurado não tiver 25 anos de tempo especial, o tempo dele de trabalho dele não serve para nada, é como se ele trabalhasse em uma atividade comum, sem prejuízo à saúde. Isso é flagrantemente inconstitucional", diz.
Adriane critica a falta de estudos técnicos sobre a fixação de idade mínima para a aposentadoria especial, apontando que não houve diferenciação entre homens e mulheres e nem aos segurados comuns, mesmo sendo um benefício voltado à proteção da saúde em atividades prejudiciais.
Segundo ela, esse benefício não seria um grande peso às contas públicas, já que 95,3% dos pedidos de são concedidos na Justiça, e apenas 0,24% das concessões correspondem a essa modalidade.
Bramante ainda mencionou a ADI 7.727, na qual o STF reconheceu a inconstitucionalidade da fixação de idade mínima maior para mulheres policiais em relação aos homens —decisão que já vem sendo aplicada por liminar. "As mulheres têm família e trabalho igual. Trabalho é trabalho. Não se pode diferenciá-las por isso", concluiu.
Necessidade de nova reformaTafner, Rolim e Adriane concordam sobre a necessidade de nova reforma da Previdência, mas não nos moldes da de 2019, onde houve apenas em parâmetros. Para Tafner, seria preciso alterar o sistema, que hoje é solidário e de repartição, com os jovens no mercado de trabalho sustentando os mais velhos, para um de capitalização.
Adriane aponta a falta de debate em torno da arrecadação. "Faltou discutir custeio e a questão da arrecadação. Só mexe na redução de direitos, e a gente precisa mudar o foco, analisar outras formas de sustentar a Previdência e outras questões, como a contribuição dos Ubers", diz.
Rolim acredita que algumas regras que parecem "cruéis" são necessárias, porque são benefícios que causam muito impacto nas contas públicas. Tafner aponta a rega de reajuste real do salário mínimo como algo que prejudica o déficit e diz que, mudar os parâmetros deve ser feito após debate amplo, com período de transição entre 30 e 35 anos ao menos.
O que pode mudar na reforma da Previdência e o que o STF vai decidir?- Aposentadoria especial
- As regras da aposentadoria especial após a reforma são discutidas na ADI 6.309, proposta pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria) em 2020
- A confederação questiona a implantação da idade mínima; a regra de transição por pontos, somando idade mínima de tempo de contribuição; o cálculo do benefício; e a proibição de converter tempo especial em comum
- Antes da reforma, o segurado que trabalhava em atividade prejudicial à saúde não tinha idade mínima e podia pedir o benefício ao 15, 20 ou 25 anos de trabalho, conforme o grau de exposição à atividade, se alto, moderado ou leve
- O cálculo era de 100% sobre a média salarial
- Além disso, quem trabalhasse apenas parte do período em atividade especial podia converter esse tempo em comum, com um bônus que aumentava o tempo de contribuição
- A conversão passou a ser proibida após 13 de novembro de 2019
- O cálculo ficou igual ao dos demais benefícios: 60% sobre a média salarial mais 2% a cada ano que exceder o tempo mínimo
- A ação teve voto contrário do ministro relator, Luís Roberto Barroso, que considerou as mudanças constitucionais. O ministro Fachin votou por derrubar as novas regras. Alexandre de Moraes pediu vista e o caso irá a julgamento no plenário em 3 de dezembro
Cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas do setor público- A reforma da estabelece a possibilidade de cobrança de contribuição de aposentados e pensionistas do setor público que ganhem entre o salário mínimo e o teto, além de alíquota de 14% a quem ganha mais do que o teto da Previdência
- Também institui contribuição que vai de 7,5% a 22% sobre o salário, definindo pagamento maior a altas rendas
- Ambas as cobranças já estão sendo feitas em estados e municípios que aprovaram suas reformas com base na
Idade mínima da mulher policial menor do que a dos homens- As mulheres policiais se aposentam com idade de 55 anos, como os homens, após a reforma da Previdência
- Ação no Supremo contesta a medida, já que há idade mínima diferente para as mulheres do INSS, que se aposentam aos 62 anos, enquanto os homens podem pedir o benefício aos 65 anos de idade
- Essa ação tem liminar do ministro Flávio Dino dizendo que a idade diferenciada é inconstitucional; na prática, a regra já caiu, porque os entes públicos precisam respeitar a liminar, mas o processo não chegou ao final
Tempo de contribuição da servidora pública em comparação com a segurada do INSS- As servidoras públicas podem se aposentar após 20 anos de contribuição, assim como os homens no serviço público
- No INSS, porém, elas se aposentam com, no mínimo, 15 anos de contribuição
- O STF tem maioria determinando que não pode haver essa diferença
- Especialistas afirmam que a mudança causa impacto nas contas públicas e dizem que mulheres do serviço público têm atividade diferente das do setor privado, já que, com a estabilidade, conseguem manter contribuições mais frequentes
- Adriane Bramante, do IBDP e da OAB-SP, afirma que as mulheres sofrem discriminações no mercado de trabalho e na sociedade de forma igual e, por isso, deveriam ter mesmo tratamento no que diz respeito à aposentadoria
Cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente- A emenda constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, definiu que a aposentadoria por invalidez deve ser calculada em 60% da média salarial mais 2% a cada ano extra que ultrapassar o tempo mínimo. O redutor é o mesmo aplicado às demais aposentadorias da Previdência Social
- Quando houver invalidez por acidente de trabalho, doença ocupacional ou doença do trabalho, o cálculo deve ser de 100% sobre a média salarial. O caso está sendo julgado no tema 1.300, que tem repercussão geral, o que significa que o que for definido valerá para todos os processos do tipo no país
- Além de questionar a constitucionalidade do redutor, a ação também aponta que, com a regra, aposentados por invalidez ganham menos do que quem recebe auxílio-doença, um benefício temporário, cujo cálculo é 91% da média salarial ou das últimas 12 contribuições, o que for menor
- A ação tem voto favorável do ministro Flávio Dino, mas foi interrompida por pedido de destaque e será julgada no plenário físico em 3 de dezembro
O que mudou com a reforma da Previdência e quando ela começou a valer?- A reforma da Previdência alterou regras de aposentadorias e pensões dos segurados do INSS e dos servidores públicos. A principal mudança foi a criação da idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres
- Quem já estava no mercado de trabalho antes de a reforma entrar em vigor tem regras de transição para o benefício
- O cálculo da aposentadoria é de 60% sobre a média salarial mais 2% a cada ano extra de contribuição
- A pensão por morte, assim como a aposentadoria por invalidez, teve o cálculo reduzido. O STF já julgou o valor da pensão e considerou a mudança constitucional
- Aprovada em julho de 2019 na Câmara dos Deputados, a reforma foi promulgada em 12 de novembro no Senado —após aprovação na casa— e publicada em 13 de novembro
- Com a publicação, leis começam a valer, mas a regulamentação da reforma, feita apenas em julho de 2020, delimitou como 13 de novembro a data na qual as regras antigas ainda podiam ser aplicadas
- Com isso, as novas regras só são aplicadas após 13 de novembro de 2019 (Fonte: Folha de SP)
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